Em seu segundo longa-metragem solo, Cidade; Campo, a diretora brasileira Juliana Rojas constrói um díptico que olha para as relações dicotômicas e deslocações entre cidade e campo no Brasil. Com estreia mundial no Festival Internacional de Cinema de Berlim, do qual participou na seção Encontros, o trabalho rendeu à diretora o prêmio de melhor direção na Berlinale. O longa acaba de passar por Portugal, na mostra Silvestre da 21ª edição do IndieLisboa.
O primeiro segmento do filme em duas partes debruça-se sobre a história de Joana, aqui vivida por uma talentosíssima Fernanda Vianna - cuja performance salta em comparação às outras - uma mulher vítima de um crime ambiental de proporções catastróficas. Evocando Mariana e Brumadinho, Joana é forçada a encontrar refúgio na casa da irmã, em São Paulo, após sua fazenda e seus animais serem devorados por um mar de lama, fruto do rompimento de uma barragem. Atormentada por pesadelos, onde continuamente vê o seu amado cavalo branco, Alecrim, Joana tenta se reconectar com a sua origem colocando o pé na terra da horta da irmã e fumando um cachimbo ao luar. É mais uma alma à deriva que enfrenta o monstro de concreto em busca de reconstruir a vida - e ainda com a esperança de eventualmente reencontrar o filho com quem perdeu contato.
Rojas monta uma base interessante para o desenrolar de uma história potente que, salvo alguns tropeços, caminha bem. Em São Paulo, Joana inscreve-se, com a ajuda do sobrinho-neto, em um aplicativo de faxina e, com humor e uma crítica social afiada, Rojas aborda também o recente agravamento da precarização do trabalho em grandes centros urbanos. Porém, sem muita conclusão, a trama tecida termina abruptamente, deixando uma tal quantidade de fios ainda soltos, que dificultam a imersão do espectador na segunda história do díptico.
O filme faz agora o movimento contrário. Deslocam-se, da cidade para o campo, Flávia (Mirella Façanha) e Mara (Bruna Linzmeyer), na intenção de construir uma vida mais enraizada na propriedade rural herdada por Flávia após o falecimento de seu pai, de quem estava distante nos últimos anos. De luto, a personagem vasculha os pertences e memórias deixados em busca do fantasma do pai, enquanto sua companheira, veterinária de formação, se ocupa de cuidar dos animais da fazenda, localizada no Mato Grosso do Sul. Em um território cercado pela presença violenta da soja, como pontuado pela fala de um dos personagens da zona, é claro que os esforços das jovens, com a intenção de fazer aquela terra vingar, são em vão.
Apesar de trazer elementos que poderiam somar ricas simbologias à trama, falta coragem para potencializá-los e fazer com que realmente sirvam à história e efetivamente movam a narrativa para frente. Em uma tentativa de trazer a atmosfera fantástica e de mistério, que é característica de outros filmes que Rojas dirigiu, como os excelentes As Boas Maneiras e Trabalhar Cansa (nos quais divide a função com Marco Dutra), Cidade; Campo acaba pontuado por becos sem saída. Inserindo artifícios, alguns até mesmo previsíveis, que referenciam as situações vividas pelas personagens de forma fantástica - uma pia que jorra lama, o cavalo branco que surge no meio da rua, um lobo (que arriscadamente evoca o lobisomem de seu filme anterior) - mas que não adicionam camadas às histórias, o filme tampouco consegue sair da superficialidade e de uma abstração concreta. A característica onírica e de devaneio é primeiramente marcada pelo uso de sobreposições de imagens, que se dissolvem uma na outra e que, apesar de cumprirem o efeito, acabam tendo seu impacto reduzido após uma repetição excessiva.
Cidade; Campo aponta o dedo a muitos fatos e questões sociais de relevância e urgência: tragédias ambientais, a precarização do trabalho, o caos climático, o estrangulamento do território brasileiro pela soja e outras monoculturas, tudo envolto em um sentimento de desesperança total de personagens à deriva em um cenário apocalíptico. Mas a proposta é fazer cinema e, infelizmente, a estrutura em díptico mais prejudica do que ajuda o desenvolvimento das histórias, que acabam por se enfraquecer e perder coesão narrativa. Não ajuda o fato da segunda trama ser muito menos apelativa e ter mais problemas do que a primeira.
Em um determinado momento, Flávia e Mara recebem Dirce, uma amiga do falecido com quem estava explorando ayahuasca, e que convida as jovens a experimentarem o chá. Mais uma porta de entrada em uma atmosfera de mistério: na floresta próxima à fazenda figuras enigmáticas evocam a busca pela ancestralidade, que é colocada pela diretora como um caminho para a resolução das mazelas citadas. Um elemento que poderia atingir sua potência, mas que com performances tão assimétricas e com essa falta de profundidade na abordagem de tantos temas, resulta em uma narrativa rasa, que não pulsa com vivacidade, mas antes mingua e com a qual torna-se difícil se conectar.
Por mais que Cidade; Campo possa evocar um real sentimento coletivo vivido pelo país, é mais um filme que, após o acender das luzes, agrada aqueles que esperam da obra um discurso político acima da forma e da história. E um dos resultados comuns desta escolha é, normalmente, uma obra que vive muito mais nos diálogos, cujos temas são explicitamente transmitidos pela boca das personagens, do que em imagem.
Cidade; Campo aguarda data para estreia comercial.
★★
2/5