A vida noturna do Brooklyn é o palco de Ani (abreviação de Anora), uma trabalhadora do sexo que se permite fantasiar sobre um castelo luxuoso e seu príncipe encantado quando seu caminho cruza com o de Ivan, o filho rebelde de um oligarca russo, no eletrizante conto de fadas moderno de Sean Baker. Anora é uma jornada selvagem que leva o espectador a um crescendo de situações incontroláveis ​​movidas por sexo jovem, a esperança de amor e desespero, mas ainda consegue tocar com sensibilidade e cuidado o coração de sua personagem principal, revelando sua dor e tragédia. O vencedor da Palma de Ouro no 77º Festival de Cannes teve sua estreia portuguesa em uma exibição lotada que abriu o Tribeca Festival Lisboa.

Faíscas voam quando o jovem Ivan (Mark Eydelshteyn) pede uma garota que fale russo e, como em um sonho, a linda stripper Ani (uma esplêndida Mikey Madison) aparece com seu russo quebrado e olhos sorridentes. Ela logo concorda em se encontrar novamente na casa de Ivan - que se revela uma opulenta mansão - o que só a deixa ainda mais encantada pelo charmoso garoto russo. Logo, ele propõe a ela um relacionamento exclusivo por uma semana - não exige, é claro, mas como um amante atencioso, esperançosamente sugere (e alegremente paga 15 mil por isso) - o que faz todo o sentido, pois a vida é muito curta e eles estão se divertindo muito juntos.

Tal qual um contos de fadas, eles acabam se casando (em Las Vegas, onde mais?), dessa forma Ivan pode ficar nos EUA e escapar das responsabilidades de um emprego corporativo na empresa de seu pai, e Ani se despede de suas colegas do clube como uma Cinderela da vida real com seu anel de 4 quilates em seu dedo em direção ao seu felizes para sempre. Não fosse pelos pais do seu marido e seus capangas armênios (que mais parecem babás).

O que se segue é uma reviravolta insana e surpreendentemente hilária, com Anora querendo provar a validade de seu casamento recente, no qual ela se lançou tão cega e ingenuamente. Exceto que ela perde o controle da situação quando Ivan foge covardemente depois que seus pais embarcam em um avião para anular o casamento, deixando-a com Toros (Karren Karagulian), Garnick (Vache Tovmasyan) e Igor (Yura Borisov), para lutar ferozmente por sua vida dos sonhos. E ela o faz. A cena em que Ani é confrontada pelos capangas e consegue causar danos significativos é um dos muitos pontos altos de um filme que emana "clássico instantâneo". Ela é incansável, não espere que ela desista do que quer porque ela lutará até o fim - que parceria criativa potente entre Baker e Madison para criar uma personagem cativante filmada por lentes tão humanas. É palpável, toda a força que emana de Ani flui de uma vida de lutas e necessidade de sobrevivência.

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Anora © NEON

É impossível não sair do cinema energizado e emocionalmente impactado pelo último soco no estômago com mais um filme de Sean Baker que consegue olhar para os marginalizados de uma forma tridimensional e cheia de nuances e ir além disso, questionando até mesmo a oca promessa capitalista de ascensão social milagrosa e a servidão feminina presa no sistema. Ani, sonhando em se tornar uma princesa, se depara com a dura verdade de que ela pertence, afinal, ao mesmo grupo de pessoas que os homens contratados da família, as pessoas que servem e que estão apenas lutando para sobreviver. Repleto de empatia por seus próprios personagens (bravamente vividos pelo elenco, que é sempre um destaque na sua filmografia), o diretor cria sua obra-prima que guarda muito mais do que aquilo que os olhos veem.

Ao longo do filme, um vínculo silencioso é formado entre Ani e o tímido Igor (que não hesita em mencionar o amor pela sua avó, mas que ao mesmo tempo aparenta poder ser um assassino). Baker discreta e cuidadosamente os aproxima através da mise-en-scène e dos olhares de Igor, observando e cuidando de nossa heroína, mesmo que à distância - uma forma de olhar da qual o impulsivo Ivan é incapaz. Igor é o único que a chama pelo nome, Anora, que é um motivo recorrente de contos de fadas - aprender o nome verdadeiro de alguém é vê-lo completamente, acolhê-lo e, finalmente, amá-lo.

Um filme magnético e cheio de energia, Anora é, em sua essência, um ato rebelde de gentileza e exercício de empatia, que permite que sua heroína nos olhe quase como um espelho em um dos ‘para sempre’ mais realistas do cinema.

Anora estreia nos cinemas portugueses no dia 31 de outubro de 2024, e nos cinemas do Brasil no dia 23 de janeiro de 2025.

★★★★★

5/5