Em seu impressionante primeiro longa-metragem, Thien An Pham nos transporta para as enevoadas montanhas do interior do Vietnã em busca de uma fé que forneça respostas ao inevitável sofrimento do ser humano. Inside the Yellow Cocoon Shell é o título vencedor do prêmio Caméra d’Or (Câmera de Ouro) no Festival de Cannes de 2023.
Em uma Saigon aflitivamente anestesiada e indiferente à miséria humana, três amigos bebem cerveja e conversam casualmente sobre o sentido da vida. O cético rejeita qualquer tipo de crença em um significado maior, o mais espiritualizado livrou-se de todas as suas posses e quer se isolar na natureza. Resta Thien (Le Phong Vu), que permanece no meio, dividido entre a fé e a dúvida.
Equilibrado sobre essa ambiguidade intrínseca de seu protagonista, que diz procurar a fé, mas nunca encontrá-la, o longa convida Thien a uma jornada de grandes questionamentos quando ele se vê responsável por seu sobrinho de 5 anos, Dao (Nguyen Thinh), após o envolvimento de sua cunhada em um acidente fatal. Levando o corpo para as cerimônias fúnebres, Thien é forçado a voltar para a sua vila natal, a qual não visita há anos após seus pais emigrarem para os EUA e ele se refugiar na cidade, atrás da promessa de ganhar muito dinheiro. O jovem empreende uma busca pelo seu irmão, o qual dizem ter trocado a esposa por outra, para devolver Dao aos seus cuidados.
Inside the Yellow Cocoon Shell revela-se aos poucos e convida a uma meditação sobre o Mistério, brutalmente nos confrontando com o abismo de sentido que segue a ausência da fé. São os longos planos sequência - tão longos quanto um de surpreendentes 20 minutos (ou mais) de duração - que hipnotizam o espectador e mergulham-no em sua misteriosa narrativa. Pham tem um trabalho de câmera formidável e deixar-se absorver pelas imagens milimetricamente coreografadas é entregar-se ao máximo encanto do filme.
No Vietnã rural, Thien continua a ouvir um grunhido vindo de si mesmo que o acorda todas as madrugadas, o seu chamado interno que não o deixa dormir e que coloca-o frente à frente com cenas tão fantásticas quanto uma árvore de borboletas brancas. O filme trabalha com símbolos bem fortes, como o pássaro e a borboleta, que surgem enigmaticamente no caminho do seu protagonista. Os animais alados têm o poder de habitar o vento com um simples bater de asas, e evocam o inefável elemento ar, que é invisível aos olhos e, em última instância, vêm representar o próprio sagrado que o protagonista tanto procura.
Após a tragédia familiar, Thien é constantemente confrontado com essas dicotomias da existência humana, o profano x sagrado, os dilemas entre a carne e o espírito que tanto regem a mitologia do cristianismo. Na sua vila natal, a religião dominante do catolicismo responde às maiores indagações da população. Isto ou a guerra contra os vietcongues parecem ter servido para apaziguar o desespero e dar sentido à vida, como mostra o encontro de Thien com um velho guerreiro.
A magia do longa mora exatamente no ponto de confluência de seu realismo com a sua aspiração por enxergar além do real. Os movimentos de câmera, no início limitados a travellings mais simples, ficam progressivamente mais elaborados, ainda que fugindo de qualquer pretensiosidade ou artificialidade da técnica. Thien mostra-se muito habilidoso, já em seu primeiro longa, para construir uma linguagem que serve ao propósito da narrativa. Aproxima-se pouco das personagens, uma vez que não é uma obra dramática que apela para o emocional, antes são os atores (que, por sinal, encaram muito bem o desafio proposto) que caminham para perto da câmera quando há alguma informação importante a revelar.
The Yellow Cocoon Shell consegue conversar com a interioridade do seu protagonista pela própria linguagem e imagens absolutamente deslumbrantes criadas pelo diretor e Dinh Duy Hung, o diretor de fotografia que também trabalhou com Thien An Pham em seus dois curtas-metragens precedentes. Os inúmeros planos sequência que formam o filme são, em si mesmos, pequenas travessias na história que revelam significados antes ocultos. Iniciam em um ponto e te levam a outro, por vezes passeando por diversos ambientes em um único plano e, dando tempo ao tempo, o espectador é convidado a decifrar as imagens.
Quando nos damos conta, os 178 minutos de filme chegam ao fim, mas a atmosfera enigmática permanece muito depois das luzes se acenderem. Inside the Yellow Cocoon Shell tem momentos que são verdadeiras pérolas, tão simples e fabulosos quanto os peixinhos dourados que magicamente surgem onde antes havia apenas água. A chave do filme mora em não desejar uma resposta para todas as perguntas. Como diz a figura da velha sábia para Thien: “Está para além da compreensão humana”.
O filme teve sua estreia mundial em Cannes, e, no Brasil, concorreu na 43ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo com o nome traduzido para Dentro do Casulo Amarelo. Chega aos cinemas em Portugal no dia 11 de abril de 2024, com o título No Interior do Casulo Amarelo.