American Fiction, protagonizado por Jeffrey Wright, é a sátira americana que está dando o que falar e gerando discussões sobre os temas atualíssimos que propõe, além de ter 5 indicações ao Oscar 2024. As críticas ao longa-metragem dirigido por Cord Jefferson (a primeira direção da carreira do roteirista) são muito positivas, e o filme chegou a ganhar o principal prêmio do Festival Internacional de Cinema de Toronto, o People's Choice Awards.
A trama da comédia aborda o universo do mercado editorial (mas que poderia muito bem ser o cinematográfico, por exemplo) e como as demandas do capitalismo estrangulam a liberdade necessária para o ato criativo.
Uma comédia satírica
O roteiro de Jefferson é uma adaptação do livro Erasure, de Percival Everett e o filme tem Wright no papel de Thelonious 'Monk' Ellison, um escritor frustrado com os impedimentos que são colocados em seu caminho quando seus trabalhos não agradam as expectativas do mercado sobre o quê e como um autor negro deveria escrever. Em um tom de brincadeira, Monk escreve um livro repleto de estereótipos sobre a cultura negra como piada, até que a obra atinge um estrondoso sucesso mundial e ele se vê no lugar dos autores que mais criticava.
"Eu acho que o que é entusiasmante sobre nosso filme, e que ajudou a captar a atenção da audiência, é que nós temos discussões dentro do filme que estão acontecendo por todo o país nesse exato momento.", disse Wright em uma entrevista ao programa Fresh Air, da NPR. De forma sarcástica, com comentários ácidos e inteligentes, a produção toca em questões de raça e representatividade sem medo de satirizar os próprios criadores por trás do projeto.
"Todos (da equipe) estavam tipo, 'Eu quero fazer parte disso. Eu quero ajudar a contar essa história e de uma maneira que talvez eleve a conversa, pelo menos pelas 2 horas de duração do filme'. E sabe o quê? Nós podemos rir enquanto fazemos isso, porque nós não estamos com medo dessas questões. E a mensagem, eu acho - uma das mensagens - é, e nem você deveria estar.", continuou Wright.
O lado dramático
Mas não apenas de comédia vive American Fiction, que também tece uma intrincada trama de uma família que vive seus dilemas e dificuldades, passando por obstáculos que são comuns a todas as famílias. É nessa carga dramática que Wright conta ter se conectado com o personagem e que considera fundamental para humanizá-lo.
"Apesar de como ele é percebido ou mal percebido, a sua vida cotidiana é apenas ordinária, porque é tão comum - as tarefas ordinárias de arcar com a responsabilidade da família, e particularmente com a sua mãe, ao chegar naquele momento na vida onde ele tem a responsabilidade de agora ser o seu cuidador.", disse o ator. É com essa humanidade do personagem que ele se conectou e que acredita que o público se identifica e cria uma ligação emocional com o filme.
Também o ator já teve que cuidar de sua mãe doente, que faleceu cerca de um ano antes do roteiro de American Fiction chegar nas suas mãos. "É uma experiência universal e se aplica a pessoas de todas as origens. Muitos de nós conhecem essa experiência, e muitos outros virão a conhecer. Mas eu - eu apenas entendi. Eu compreendi que em um nível muito íntimo psicologicamente e emocionalmente, as pressões que se aplicam a existência de uma pessoa, seja no lado criativo, profissional ou pessoal, principalmente. Então, sabe, o gancho realmente fisgou a minha boca através do comentário social, da primeira cena do filme, mas se estabeleceu pelo retrato dessa família."
Em última instância, pensar como equilibrar essas duas faces do filme, a crítica social da sátira e a carga dramática do personagem, é compreender e veicular a mensagem do filme, de humanizar e trazer subjetividade para um personagem que é constantemente colocado em uma caixa.
Um convite à conversa
"E se nós conseguirmos fazer um filme sobre esses temas polarizadores que seja realmente convidativo a todos os diferentes tipos de pessoas?", se questionou Cord Jefferson. Em uma conversa com Rian Johnson (Entre Facas e Segredos) para o IndieWire, o diretor de American Fiction contou como sua intenção era fazer um filme que conseguisse conversar com diversos segmentos da sociedade e que inspirasse discussões sobre os assuntos propostos.
"É uma loucura para mim que agora existem filmes conservadores e filmes liberais, e que nós efetivamente nos referimos a eles com esses termos. 'Bom, esse é para uma audiência de direita', e 'Esse é para uma audiência de esquerda.'", pontuou. Para Jefferson, a intenção em realizar American Fiction morava em fazer um filme sobre "raça e racismo e sexualidade e identidade e todas essas coisas que estão realmente dividindo e polarizando as pessoas nesse momento", mas sem segmentar a audiência, sendo um filme "só para pessoas de Nova York ou Los Angeles", ou "só pessoas do Texas ou Alabama."
A expectativa para o diretor era fazer uma obra que "vai te convidar a entrar, e talvez seja algo que você tenha medo, mas você provavelmente vai encontrar algo aqui que ressoa com você." Durante a divulgação e exibições do filme por diversos lugares dos EUA (e do mundo), Jefferson se diz contente que "o que tem sido legal é que todo o tipo de pessoa, não todas as pessoas claro, mas todo tipo de pessoa - mais velhas, mais jovens, negros, brancos, americanos, ingleses - vieram e falaram, 'Eu encontrei algo no filme que realmente ressoou comigo.'"
Onde assistir
Infelizmente a distribuição de American Fiction não passou pelas salas de cinema no Brasil. O filme surgiu de surpresa no streaming no dia 27 de fevereiro, menos de duas semanas antes da premiação do Oscar 2024. O longa concorre ao prêmio em 5 categorias: melhor filme, melhor ator, melhor ator coadjuvante, melhor roteiro adaptado e melhor trilha sonora original.
American Fiction está disponível no Prime Video.