Nós sabemos quem somos de verdade? É possível uma pessoa mudar ou somos os mesmos durante a vida toda? São essas as perguntas que o mais recente filme de Richard Linklater coloca, claro, de forma muito menos filosófica e com alguma ação. Hit Man - de título Assassino por Acaso no Brasil, e Assassino Profissional em Portugal - bebe da invulgar história real de Gary Johnson, um homem absolutamente comum que forjou uma vida secreta como um assassino profissional de mentira.

Glen Powell, que está em todo lugar esses dias, surfando uma onda de blockbusters em Hollywood, vive o protagonista baseado na história de Johnson e assina o roteiro ao lado do prestigiado diretor indie Linklater. O longa teve sua estreia no Festival Internacional de Cinema de Veneza, onde foi exibido em uma sessão especial fora de competição, antes de passar também pelo Festival Internacional de Cinema de Toronto.

Powell consegue se metamorfosear em um ordinário professor de psicologia e filosofia que instiga seus alunos a jogarem-se na vida, arriscando experiências face a uma vida curta na qual nada é garantido. Mas é ele, Gary, de camisa abotoada até o topo, óculos sem personalidade e um rosto inexpressivo e facilmente esquecível que precisa ouvir os seus próprios conselhos. Balanceando o trabalho na faculdade com um emprego em meio período, instalando escutas para a polícia local, Gary Johnson leva uma existência satisfatória ao lado de seus gatos Id e Ego.

A suspensão de um policial corrupto agressor de adolescentes joga Gary na única experiência emocionante que parece ter cruzado o seu caminho em muito tempo: fingir ser um assassino profissional para possibilitar a detenção de um homem suspeito que quer contratar alguém para desaparecer com um conhecido. Gary desempenha a tarefa surpreendentemente bem e é promovido a assassino profissional de mentirinha, uma experiência que ele transforma em seu pequeno projeto pessoal de investigação psicológica. Tomando-se a si próprio como um quadro em branco, o desinteressante observador de aves Gary se transfigura em múltiplos personagens, para responder a cada um que busca alguém para fazer o seu trabalho sujo: quem é o seu assassino profissional?

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Hit Man © AGC Studios

Uma acertada direção de arte e, principalmente, um competente trabalho de figurino e maquiagem, potencializam a caracterização desse desfile de assassinos pitorescos. O carisma de Glen Powell, que confirma aqui o seu inegável timing cômico, é o pilar de um filme que consegue entreter ao mesmo tempo que coloca questões instigantes sobre construção de personalidade e fantasias individuais. Linklater alude ainda, mesmo que discretamente, ao cenário de uma América pós-Trump, cuja população, mais armada, vive uma profunda descrença no sistema judiciário, e na qual a noção de ‘justiça com as próprias mãos’ se torna uma armadilha mais frequente.

Mas Gary torna-se vítima do seu próprio experimento quando Madison, mais uma personagem latina sensual - ainda que bem interpretada por Adria Arjona - cruza o seu caminho. Madison sofre com um marido abusivo, que deseja eliminar, mas apaixona-se por Ron, uma versão muito mais interessante e confiante de Gary, cuja profissão de assassino, ainda que falsa, com certeza lhe confere um sex appeal maior. A química entre Powell e Arjona é palpável, sendo que o envolvimento de Madison e Ron coloca os personagens em um caminho sem volta.

É interessante ver Gary progressivamente transmutar-se em Ron - são, eventualmente, dois aspectos do protagonista. Linklater faz uma brincadeira com os conceitos de Id, Ego e Superego, sendo que Ron pode ser relacionado com o Id (movido pelos desejos de prazer), e Gary como o Superego (já que vive nas conformidades do que é esperado, censurando-se dos desejos). A missão do personagem seria, então, encontrar um equilíbrio. Impossível não lembrar de Fight Club (Clube da Luta - br, Clube de Combate, pt), um clássico da filmografia de David Fincher.

Linklater consegue aqui ter sucesso com um filme que cumpre o propósito de entreter, cutucando a audiência com provocações filosóficas que acabam por ficar um tanto ocas e inexploradas, mas arrancando eventuais risos do público. Seu mais recente filme estreia como Assassino Profissional no dia 30 de maio, em Portugal e como Assassino por Acaso no dia 12 de junho, no Brasil.

★★★
3/5