O quarto filme de Alex Garland (Ex Machina e Aniquilação) pouco se assemelha aos anteriores. Neste experimento (muito mais temático do que estético) que parece ser Guerra Civil, o autor leva ao limite uma América dividida, através de um filme de ação onde seus personagens revelam muito mais do que o próprio espaço.
Uma guerra civil assola os Estados Unidos. Seus agentes? Não conhecemos a fundo. Não passam de, no máximo, projetos simbólicos. O propósito de Garland é ser apolítico em um filme político. Pouco sabemos dos reais motivos por trás do conflito que desola o território norte-americano. Ao invés disso, conhecemos um quadrado de personagens, todos jornalistas, mas cada qual com seu conflito interno, que nos guia em uma espécie de thriller road movie.
Kirsten Dunst é Lee, uma conceituada fotojornalista que passa por uma crise em relação à sua profissão. Wagner Moura é Joel, um jornalista efusivo e dependente de adrenalina. Cailee Spaeny é Jessie, uma jovem fotógrafa em formação e em busca de novos desafios. E Stephen McKinley Henderson é Sammy, um veterano jornalista do New York Times, que funciona como uma espécie de mentor do grupo. Os quatro embarcam em uma SUV - que leva a palavra press (imprensa) estampada bem na sua lateral - a caminho de Washington DC, com a esperança de registrar, de alguma forma, a queda absoluta do presidente dos EUA.
Garland adota um discurso bastante didático e explícito no que se refere aos perigos da polarização política. Há uma cena, por exemplo, onde Joel (Wagner Moura) tenta entender o que se passa em um momento onde dois sujeitos trocam tiros com outro homem. Quem eles são? A quem representam? Na verdade, nem eles mesmos sabem. O fato é que existe alguém atirando e este alguém tem que ser derrubado. A confusão, o caos, e a desorientação que rodeiam o filme, são intenções que já foram vistas em obras como Apocalipse Now e Platoon. Afinal, o que está em jogo? Existe algum tipo de sentido em uma guerra (seja ela real ou fictícia)?
Guerra Civil consegue traçar este diálogo com outras obras fundamentais, mas apenas nos momentos em que trabalha a dinâmica dos personagens em tela e os seus respectivos conflitos. Existe um certo preciosismo na forma como ele filma os momentos de confronto, com uma tentativa estética imersiva, que acaba afastando o espectador das camadas mais profundas da obra. A destruição material, o som das explosões, a câmera frenética, a música pop, funcionam como momento blockbuster e não como substância a um filme que realmente existe e é vivo.
Mas, de certa forma, por ser uma produção de alto orçamento, Garland consegue equilibrar esses momentos. No decorrer do longa, nos aproximamos também do quadrado de personagens, e não só propriamente da guerra, dos seus agentes e do seu horror. Ao adotar o veículo e o ponto de vista de fotojornalistas para contar essa história, o autor articula uma discussão bastante contemporânea em torno da sociedade do espetáculo e da ética do jornalismo.
Kirsten Dunst relembra alguns dos seus principais papéis ao carregar a personagem de Lee com uma perturbação quase existencial. O que se deve ou não fotografar em uma zona de conflito, quais são os limites da ética, entre outras questões, fazem com que Lee perca, aos poucos, a fé na sua profissão. Em contrapartida, Joel é um jornalista com sede de adrenalina e desfruta desses momentos de maneira quase visceral - Wagner Moura capta bem esses momentos e cria um personagem com uma espécie de casca, que se quebra ao longo do filme. No meio disso, existe a personagem fundamental de Jessie (Cailee Spaeny), que transita entre os ideais dos seus dois modelos, em busca de formar a sua própria identidade.
Depois de cenas e mais cenas de batalha e uma tentativa de se aprofundar nas relações individuais e coletivas do grupo, Guerra Civil apresenta um desenlace pertinente para cada personagem. Algo totalmente distinto, do que por exemplo, o petulante e absurdo O Mundo Depois de Nós - que também trabalha em um contexto parecido - tenta fazer.
Se levarmos em conta o caráter simbólico de cada personagem, não é difícil afirmar que Garland é bastante pessimista em seu final. Se tematicamente, e até esteticamente, Guerra Civil se afasta dos seus filmes anteriores, do ponto de vista crítico, ele se aproxima e também funciona. Também é notável que em seu desfecho, haja uma tentativa de subversão dos piores momentos apresentados no filme.
No todo, Guerra Civil opera muito mais como um experimento do que um filme pronto. Mas quem disse que o cinema não pode experimentar? Ainda mais por se tratar de um blockbuster, é uma virtude que precisa ser valorizada.
Guerra Civil estreia no Brasil e em Portugal no dia 18 de abril.
