Sem dúvida, Pobres Criaturas é o filme visualmente mais inventivo e experimental entre os indicados ao Oscar 2024. O longa do diretor grego, Yorgos Lanthimos, reúne 11 indicações ao prêmio da Academia. Adaptado do livro homônimo de Alasdair Gray, a obra traça a maravilhosa jornada de Bella Baxter - quiçá a melhor performance de Emma Stone até a data - de um experimento científico a uma mulher emancipada.
Na fábula cinematográfica, o Dr. Godwin Baxter, interpretado por Willem Dafoe, - ou apenas God (Deus), para Bella - encontra uma oportunidade de transcender os limites da ciência quando se depara com uma mulher grávida que acaba de pular em um rio após uma tentativa de suicídio. Como proceder é um óbvio insight na mente do cientista: Godwin transplanta o cérebro do bebê para a mãe e ressuscita-a com o uso de um maquinário à la Dr. Frankenstein. O que se segue é o desenvolvimento de um mulher que desconhece o auto-julgamento e a culpa, e que sai para o mundo com sede de descobri-lo por inteiro, incluindo o bom e o mau que compõem a vida.
Com um visual singular que veicula o tom fantástico e surreal da trama, a direção de fotografia e de arte foram áreas particularmente essenciais para imaginar essa grande viagem de Bella Baxter.
Uma fotografia singular
Pobres Criaturas tem tudo a ver com experimentação, e com a fotografia do filme não foi diferente. Robbie Ryan, o diretor de fotografia, já havia trabalhado previamente com Lanthimos em A Favorita, a tragicomédia de época que coloca Emma Stone e Rachel Weisz em disputa pela predileção da Rainha Anne (Olivia Colman), na Inglaterra do século XVIII.
Em Pobres Criaturas, a parceria criativa constrói uma fotografia arrojada, barroca e inventiva, que serve como uma luva no universo fantasioso e que evoca a liberdade criativa que emana de todos os poros do filme. Do uso de lentes de 16mm na câmera de 35mm para criar uma vinheta escura ao redor da imagem central, ao uso de lentes 'olho de peixe', as imagens construídas para o longa potencializam a sensação de adentrar um universo paralelo com ares de conto de fadas.
Por mais surpreendente que possa parecer, o visual único da fotografia do longa foi alcançado utilizando-se apenas quatro lentes. "Nós testamos uma tonelada de lentes, e o bom da ética de teste de Yorgos é que ele só quer testar até o ponto em que ele não precisa ter muitas lentes.", Ryan comentou em uma entrevista ao IndieWire. "Então, no fim, nós reduzimos para quatro ou cinco lentes que ele estava ansioso para experimentar. Isso significava que era mais rápido filmar durante a diária, porque ele sabia que tinha que escolher entre apenas quatro lentes."
A escolha das lentes
Pontuando cenas-chave, Ryan e Lanthimos escolheram uma lente grande-angular de 4mm: "Toda vez que uma cena precisava de um pouco mais de expressividade, Yorgos pedia a 4mm. É a que muitas pessoas comentam, porque é uma lente um tanto engraçada. Normalmente, quando uma cena fica um pouco mais intensa, essa lente aparece."
Algo que ficou na cabeça de muita gente quando saiu do cinema, foi como aqueles planos com o fundo desfocado de forma circular foram realizados. A magia por trás dessas imagens chama-se lente Petzval, que data do início do século XX e cria um efeito bokeh. Foi a opção selecionada para momentos de retrato, como quando Bella está absorvendo o mundo, tentando entender suas experiências e refletindo sobre algo.
Pobres Criaturas ainda diverge da fotografia de A Favorita no uso de lentes zoom, que são muito marcantes no filme e não foram usadas no trabalho anterior da dupla. "Eu tive que fazer muitos zooms com ajustes finos, porque se dessem errado, nós tínhamos que repetir. Por ser uma filmagem com apenas uma câmera, você só tem um dolly, um trilho, uma câmera e então esse set de lentes." As lentes zoom não dão aquele ar de estranheza com imagens surpreendentes, mas antes servem para guiar o olhar do espectador pela história, reenquadrando os planos e aproximando ou distanciando em personagens ou acontecimentos que movem a trama.
Um universo fantástico em estúdio
O mundo surrealista de Pobres Criaturas foi o resultado do inventivo e minucioso trabalho de James Price e Shona Heath, diretores de arte que transformaram dois grandes estúdios em Budapeste nos ambientes e cidades que Bella percorre. A dupla trabalha em conjunto pela primeira vez no filme de Lanthimos.
Em um vídeo divulgado pela Searchlight Pictures, com entrevistas e imagens surpreendentes que mostram os sets construídos para o filme, Price (diretor de arte de Paddington 2) e Heath (da área de fotografia de moda, que faz aqui sua estreia no cinema) oferecem insights valiosos sobre as bases criativas por trás da arte em escala épica de Pobres Criaturas.
"Eu acho que o roteiro é muito puro e engraçado e isso pareceu um lugar livre de onde começar. E pareceu ter espaço para a beleza, o humor, a arte.", diz Heath. O mundo criado nos estúdios - Lisboa, Londres, Paris, e até um navio - alcança um equilíbrio entre ser realista o suficiente e, ao mesmo tempo, cheio de fantasia. A história tem uma estética dos anos 1930, mas ainda assim há elementos futuristas nos cenários e objetos que criam um universo muito particular para a história.
Construindo um mundo
Tudo foi pensado a partir do olhar de Bella Baxter, um olhar de alguém que está descobrindo o mundo pela primeira vez, o olhar de um recém nascido. "Tinha que ser pelos olhos de Bella, e poderia ser realmente qualquer coisa. Nós podemos usar plásticos e podemos usar bondes voadores, nós não tínhamos inibições assim como ela não tem inibições. Nós tínhamos permissão de criar o nosso próprio mundo como quiséssemos.", continua Heath.
Já a casa do cientista Baxter, foi construída a partir do ponto de vista da personagem: "A casa foi (uma criação) da mente de (Godwin) Baxter. Nós pensamos que, sendo o arquiteto de sua própria casa e lar, ele teria abordado sua construção como ele abordava seus estudos. Nós construímos a partir de passagens do roteiro, na verdade, para adicionar humor e detalhes que tornariam o nosso mundo diferente."
A equipe de arte utilizou uma combinação de técnicas diferentes. Além dos cenários com muitos prédios onde se podia caminhar por dentro, portas que abriam para salas de verdade, escadas, ruas e becos, foram usadas miniaturas (como no caso da cidade de Alexandria), fundos pintados e projeções em telas de LED de alta tecnologia (como para o céu e o oceano).
Em cartaz
Pobres Criaturas está em cartaz nos cinemas brasileiros. O longa concorre ao Oscar nas categorias de melhor filme, melhor direção, melhor atriz, melhor ator coadjuvante, melhor roteiro adaptado, melhor montagem, melhor direção de fotografia, melhor design de produção, melhor figurino, melhor maquiagem/penteado e melhor trilha sonora.