Pobres Criaturas, a versão bem-sucedida de Barbie
Enquanto Barbie fazia sucesso nos cinemas de todo o mundo, Pobres Criaturas impressionava no prestigiado Festival Internacional de Cinema de Veneza (de 30 de agosto a 9 de setembro de 2023). Saindo com o Leão de Ouro, Yorgos Lanthimos parecia ter colocado todos de acordo. E alguns meses depois, foi no Globo de Ouro que o filme voltou às manchetes, saindo com dois prêmios. O de melhor filme de comédia/musical e o de melhor atriz em um filme de comédia/musical para Emma Stone.
Se mencionamos o caso de Barbie é porque Pobres Criaturas se aproxima em mais de um sentido, ao apresentar a emancipação de uma mulher durante a sua descoberta do mundo real. Mas o filme estrelado por Emma Stone supera aquele com Margot Robbie em todos os níveis, exceto do ponto de vista da receita.
Porque se a obra de Greta Gerwig foi construída para defender um discurso feminista para o maior número de pessoas possível, arrecadando mais de 1,4 bilhões de dólares em receitas, continua a ser uma comédia popular pesada, pouco ambiciosa cinematograficamente e muito mais cínica na sua concepção. Uma das grandes ganhadoras do sucesso do filme foi a Mattel, que não perdeu tempo em iniciar o desenvolvimento de dezenas de filmes baseados em seus brinquedos. Inversamente, Pobres Criaturas, adaptado do romance homônimo de Alasdair Gray (1992), embora menos atraente para o público em geral, é de rara inteligência e modernidade exemplar. E não seria aberrante ousar apresentá-lo como uma obra-prima.
Yorgos Lanthimos faz maravilhas com Emma Stone
Pobres Criaturas se passa em uma época antiga, possivelmente no final do século XIX, mas em um universo distópico que permite a Yorgos Lanthimos propor ideias visuais malucas (tanto em preto e branco quanto a cores). São cenários fantásticos, entre as criações de Méliès e O Mundo Imaginário do Dr. Parnassus, de Terry Gilliam. Neste mundo está Bella, uma jovem que morreu, mas cujo corpo foi recuperado pelo Dr. Godwin Baxter (excelente Willem Dafoe).
Ansioso pelo avanço da ciência, é como um Dr. Frankenstein que o cirurgião, ele próprio prejudicado pelos experimentos de seu pai, transplanta o cérebro de um recém-nascido no corpo da falecida e a traz de volta à vida. A mente de Bella evoluirá rapidamente, mas ela terá que aprender tudo.
Depois de A Favorita (2018), Yorgos Lanthimos mais uma vez tira o melhor de Emma Stone. A atriz provavelmente entrega aqui sua melhor atuação em um de seus papéis mais ricos. Ela impressiona e diverte ao agir inicialmente como uma criança imatura, ainda incapaz de falar. Depois de criança, ela se torna uma adolescente revoltada, antes de se tornar uma jovem adulta que inevitavelmente descobre o desejo e sua sexualidade.
É aqui que Pobres Criaturas se torna emocionante e muito engraçado, tão bem acompanhado pela edição e pelos diálogos. Porque Bella, que o Dr. Baxter sempre manteve trancada em casa, por medo de que o mundo exterior lhe fosse prejudicial, não conhece as regras da sociedade. Teremos então que vê-la pegar um pedaço de fruta durante uma refeição e enfiá-lo na virilha depois de descobrir o prazer que isso poderia lhe proporcionar.
O desejo de uma mulher acima de tudo
Bella é, portanto, um ser que funciona através do instinto e que apenas segue seus desejos. Nesse aspecto, ela é uma personagem fascinante, que através de sua relação com o mundo e das regras estabelecidas aponta todas as aberrações. Pobres Criaturas é obviamente uma crítica ao patriarcado. Porque além dos limites que Baxter lhe impõe, outros homens que ela conhece tentarão em vão controlá-la. Começando por Duncan Wedderburn (Mark Ruffalo), um advogado com quem Bella foge para descobrir o mundo.
Se o homem se acha um gostosão e um dos melhores na cama, rapidamente se desiludirá com essa mulher motivada pelo seu próprio prazer. Depois de um pouco de sexo, do qual Duncan emerge orgulhoso, mas exausto, Bella, querendo fazer isso de novo imediatamente, irá confrontá-lo com "sua fraqueza física como homem", incapaz de performar sob comando. O resultado é uma pequena decepção para Bella e uma grande humilhação para Duncan, que nunca merece a simpatia dos espectadores. Duncan é realmente bastante patético, tentando colocar a culpa por suas ações em Bella, que supostamente o enfeitiçou. Foi justamente um dos erros da Barbie, encontrar uma desculpa para o comportamento de Ken, um pobre homem ignorado demais pela boneca.
Uma comédia controlada e divertida
A ausência de filtro de Bella diverte, mas acima de tudo sua jornada permite a Yorgos Lanthimos um olhar crítico sobre a sociedade atual e as oposições entre os seres. O diretor aponta as diferenças sociais, a pobreza e a submissão num mundo capitalista, e a brutalidade (física e psicológica) por trás do sexismo. Além disso, Lanthimos sempre tem em mente a valorização de sua heroína, insistindo em seu legítimo direito de viver a vida como quiser e de fazer o que quiser com seu corpo. Seja ingressando em um bordel em Paris, ou confrontando-a com um ex-marido pronto a mutilá-la para acalmar sua libido.
O que não significa, porém, que o cineasta esteja fazendo um filme anti-homem com Pobres Criaturas (se é que isso seja possível). Na verdade, um personagem masculino continua bom e atencioso com Bella: Max, interpretado por Ramy Youssef. Além disso, Baxter achará a redenção habilmente justificada. Mas para os outros, perigosamente tóxicos, Lanthimos não quer desculpas nem perdão, preferindo uma conclusão tão extrema quanto divertida.
Pobres Criaturas de Yorgos Lanthimos, estreia em Portugal no dia 25 de janeiro e no Brasil em 1º de fevereiro de 2024 . Acima está o trailer.
Conclusão
Emma Stone está brilhante, engraçada e fantástica em Pobres Criaturas, comédia de Yorgos Lanthimos que é bem-sucedida tanto visualmente quanto em seu discurso feminista.
Por Pierre Siclier.