Lá se vai algum tempo desde que George Miller apresentou ao mundo o primeiro Mad Max. Quarenta e cinco anos para falar a verdade. Com aquele pequeno filme australiano de baixo orçamento, 'nasceu' a estrela Mel Gibson e um universo imagético que pavimentou a estrada para grande parte dos filmes de ação pós-apocalípticos que se seguiram. Mas há um detalhe aqui. Diferente de Lynch, por exemplo, que 'torceu' para que o seu Dune não gerasse novas sequelas e consequentemente o rótulo de Mr. Dune surgisse, George Miller doou parte da sua vida em prol da 'causa' Mad Max - é evidente que o fato dele ser o autor da história contribuiu para a escolha.

Em 2015, após um longo hiato entre o terceiro filme e o lançamento do agigantado Estrada da Fúria, havia uma dúvida de o quanto de Miller ainda estaria ali - e também o quanto de novidade o filme traria. A dúvida se dissipou com o sucesso absoluto do alucinante e arrojado filme protagonizado por Tom Hardy e Charlize Theron, fazendo com que Estrada da Fúria alcançasse, para muitos, o status de 'a grande obra de Miller'. Porém, quando as primeiras imagens de Furiosa foram divulgadas, um pensamento surgiu: 'Ok, mas agora já deu Mr. Mad Max'. Não poderia estar mais enganado. Furiosa: Uma Saga Mad Max consegue superar o anterior e ser a melhor versão de George Miller.

Anya Taylor-Joy dá vida à Furiosa, mas antes dela Alyla Browne também dá vida à Pequena Furiosa, revelando a sua trajetória até o encontro com Max. As duas, por sinal, carregam no olhar o mesmo peso que Charlize Theron colocou anteriormente. Desde cedo a proposta surge como um estudo de personagem. Mais diálogos e multidimensionalidade nas figuras, mais contraste e profundidade na fotografia, mais equilíbrio entre a velocidade das cenas de ação e dramáticas, e também, um pouco mais de silêncio em cenas que chamam pelo vazio (apesar do som ser preenchido em quase todo o filme com barulhos mecânicos). Tudo isso trabalha em prol deste estudo. Que não só funciona, como potencializa o filme e o seu universo simbólico e alegórico como um todo.

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Furiosa: Uma Saga Mad Max © Warner Bros. Pictures

Desta vez, há uma pergunta e não uma resposta que move a protagonista. 'Como enfrentamos a crueldade?' Esta questão que ouvimos no início do filme permeia o dilema de Furiosa, desde quando é sequestrada quando pequena, até o seu desfecho no confronto com o antagonista Dementus, interpretado por Chris Hemsworth. E aqui cabe um parênteses para elucidar a capacidade que Miller tem de balancear dois 'vilões' (Dementus e Immortan Joe) - evento raro em um filme do gênero - com propósitos de ganância parecidos, mas com atitudes contrastantes. Como não poderia ser diferente, o preciosismo e a engenhosidade nas cenas de ação estão novamente materializados no filme. A progressão de Furiosa acontece não só de maneira psicológica e dramática, mas também física, onde a intensidade presente nas cenas de ação também provocam a evolução do seu trauma e do seu amadurecimento enquanto personagem - o que nos remete, inclusive, ao que há de melhor dos bons faroestes.

A questão do tempo e do próprio ritmo, também são elementos que interessam a Miller. Como um estudo de personagem, o compasso do filme dialoga diretamente com a progressão dramática de Furiosa. A cena que trabalha sua transformação de criança para adulta é um bom exemplo. Uma transição no cabelo, o vazio, o envelhecimento. Há também duas cenas (uma quando criança e outra quando adulta), que servem o mesmo propósito: Furiosa tem que decidir se volta para resgatar aqueles que ama ou se segue em frente com o seu objetivo de voltar para casa. Como ela enfrenta essa crueldade (principalmente em relação aos atos praticados contra aqueles que ela ama) é a questão que determinará seu caráter. Tanto sua mãe, quanto seu companheiro Jack (Tom Burke) - as duas únicas figuras não corrompidas - servem como paradigma para essa questão.

E no final, o que fica? A frieza, e apenas a busca pela vingança? Ou há algo que sobra? Miller prefere acreditar no que sobra. Após a longa guerra dos quarenta dias, entre Dementus e Immortan Joe, que perdura nos arredores de Citadel, o diretor concebe um desfecho - que se liga de imediato ao começo de Estrada da Fúria - grandioso, mas desta vez, não somente em termos de dimensão técnica e estética e sim moral e filosófica. Furiosa: Uma Saga Mad Max é um filme com vida própria. Ao mesmo tempo que remete aos anteriores, se difere com as suas qualidades particulares - que são muitas. Afinal, existe algo mais extraodinário do que isso? Basta recordar que este é o quinto filme, da mesma franquia, do mesmo autor. Haja entusiasmo e reinvenção.

Furiosa: Uma Saga Mad Max estreia no Brasil (e Portugal) no dia 23 de maio.

★★★★★
5/5